Quanto sinistra pode se tornar uma cidade!
Quanta crueldade na ausência do tempo!
No inicio de tudo, o tempo não existe. Quero dizer que ainda não deu matéria a lembrança nem saudade. O tempo apenas conta para quem se lembra de alguma coisa. Nesse inicio o tempo não é experimentado. Ele não conta nada e também não tem valor. Talvez, nunca foi. Isso é fato óbvio para quem não tem memoria. O tempo, todavia, tem vida verdadeiramente própria que ninguém poderá jamais controlar…
O tempo em certo momento se movimenta, produto de efervescência própria. Indivíduos, sangues, origens mistos se juntam. Vivem no mesmo lugar. Caminhos se cruzam, trânsitos aumentam, milhares de condomínios são erguidos e novas aquisições são organizadas nas ultimas tendências do design interior ou de qualquer imperativos do “Chic” parisiense. Essa agitação também gera poeira, fumaça, desordem e desencontros. Acessoriamente dessa exata confusão nascem paz e harmonia, encontros em quartos remotos, amores e paixões inexplicáveis… Do imediato e da agitação parece surgir certa matéria a discussão, aos sentimentos, eventualmente as peinas e aos arrependimentos quando o desejo, tal como o tempo, tem a sua lógica própria.
Tudo acontece na cidade. Essa agitação é a essência mesma da vida. Lá, tudo aparece e se esconde. Lá é acima de tudo possível, até que fim, de viver!
Mas todo isso em certos momentos não passa de uma triste desilusão. A cidade então desaparece após o tempo parecer voltar a seu paradeiro inicial. Aconteceu algo que fez tudo explodir , passar no segundo plano, esmagar-se num piscar de olho, voar antes do tempo existir, como se nunca tivesse existido, quando, dizem certos, seria possível fechar os olhos para fazer de conta que o que foi não é mais e nunca mais será. Morrem aves, carros, carneiros e borboletas.
Morre a vida engolida pela solidão, a única a sobreviver quando todos na cidade já faleceram.
Salvador da Bahia
2015